Paternar é um exercício de conquista, não é? Obviamente, não sou pai. Mas entendo que, naturalmente, o bebê cria um link direto com quem gesta desde o dia um, quando ainda é um embrião. Em compensação, o pai chega com certo atraso no vínculo natural, mas antecipado no amor, sedento por fazer parte. Ainda outro dia, conversava com um grupo de mulheres, na maioria mães, quando uma delas contou que o marido costumava passar algumas semanas viajando sozinho com os filhos no período das férias de julho. Como ela não consegue se ausentar do trabalho, o pai recolhe o par de filhos e leva para o Espírito Santo para visitar a família paterna, curtir os avós e primos e saborear os encantos do lugar onde ele nasceu e se criou.
Deste papo, resgatei as memórias mais queridas com o meu pai: curiosamente, eram as viagens para o sítio. Meu pai veio de um município do interior do Rio Grande do Sul, com cerca de 3 mil habitantes, e passou boa parte da adolescência entre idas e vindas ao sítio, para ajudar meu avô no trabalho com a terra e para aproveitar o ar do campo. Com o passar dos anos e a minha chegada, já sem a presença do patriarca na família, meu pai assumiu o posto de me levar frequentemente para este refúgio. Eram cerca de quatro horas de viagem, então, lembro da função preparatória para o carro: biscoitos, chocolates, sanduichinhos e cases de CDs. Recordo das paradas estratégias para um café e um pastel com ovo (inteiro). E do exato momento em que pegávamos a estrada de chão, de terra batida, atentos aos caminhões ou carros que pudessem cruzar nosso caminho provocando um movimento automático nos passageiros de fechar os vidros, agilmente, na manivela, para a poeira vermelha não infestar o carro. Neste momento, me pendurava entre os dois bancos da frente – o cinto de segurança ainda não estava em alta - e ficava atenta para encontrar uma coruja, um graxaim ou uma lebre saltitante, que acompanhava nossa quilometragem em velocidade.
Já no destino final, passava uma temporada em uma casa de madeira que rangia à noite e me levava a se esconder embaixo dos três cobertores que disfarçavam o frio da região dos Campos de Cima da Serra. Com o meu pai, aprendi a colocar os pés na gavetinha debaixo do fogão à lenha para deixar os pés bem quentinhos, a morder bem na bordinha do pinhão para que ele saísse inteiro antes de refestelá-lo no sal, e a espiar os sapos e os vaga-lumes pela janelinha encaixada na parte de cima da porta que fazia as vezes de olho mágico. Mas era de dia, logo após a cerração subir, quando ele me colocava na garupa do cavalo e cantarola músicas gaudérias enquanto me explicava a lida do campo, que eu entrava realmente no seu mundo. Aprendia a contar o gado, os mistérios das árvores, entendia as cores do horizonte e identificava os pássaros pelo porte ou canto. É neste lugar que eu encontro o meu pai de verdade, na essência e origem.
Atualmente, eu e meu pai não vamos mais ao sítio, o que não importa, já que guardei estas lembranças no formol e consigo frequentá-las livremente. No entanto, somos os responsáveis pelos destinos mais diferentes que a família já visitou. Adoramos sentar juntos em frente a um mapa e apontar um lugar inusitado: Ásia, África, Oceania, vamos desbravar? Nos olhamos, cúmplices, como em travessura, e já começamos a encilhar o cavalo. Quando decidi dar a volta ao mundo de mochila nas costas, sozinha, partiu dele o principal estímulo. Vai. E volta. Neste Dia dos Pais, passo por aqui para relembrar da importância de mostrar o mundo para os filhotes. Não, não falo necessariamente em países e cidades magnânimas, mas o mundo particular. Promover escapadas e momentos individuais, isolados do resto. O mundo apresentado através do olhar de um pai tem um brilho particular e eterno, constrói uma estrada de memórias afetivas e, sim, cria vínculos para toda a vida.